Tchau, cantinho. Obrigada!

Ela nem sabia do tempo que precisaria para sentir que o ciclo se fechou. Andava pra lá, pra cá, olhava no relógio e cumpria suas tarefas.
De caixa em caixa, degrau acima. Subia as escadas tentando não sentir o peso de cada objeto que construiria seu novo espaço.

Enquanto passava aquela tinta branca na parede, reparava no movimento do pincel. Pra cima, pra baixo. De novo, de novo.
Olhava para os lados e tudo ia se desfazendo. O seu canto estava espaçoso, tudo era sóbrio e não havia seu cheiro em mais nada.

Em um momento, se viu sozinha. Completo silêncio, não havia ninguém. Como no início, tudo estava tomado por ela. Não tinha miado, nem barulho da televisão. As janelas estavam fechadas, a cidade ficava do lado de fora.

Era momento de dizer adeus. Os primeiros passos da caminhada sozinha estavam ficando para trás. Primeiro canto, primeiro jantar, primeiras lágrimas. Estava tudo ficando pra trás. A vista bonita da janela começava a virar lembrança e seu caminho estava passando por outras avenidas.

A beleza dessa despedida doeu um pouco. Ela caminhou até a porta, olhou pra trás e viu ali tantas coisas. Tantas coisas ela viu. Tchau, cantinho. Estou indo pra mais longe.

Depois doeu mais fundo. O dia terminou esquisito, escureceu sem ela ver.
Com a luz azul no abajur, ela deitou e deixou que os sentimentos sufocados tomassem fôlego. Deu saudade de casa, do cheiro de perfume na roupa da mãe. Tão longe de casa, ela pensou... Do outro lado da cidade, ela sentiu vontade de estalar os dedos e aparecer no portão ouvindo latidos de saudade.

Doeu mais fundo...

Tomou um remédio e pediu ao sono pra vir depressa. Amanhã é outro dia e talvez seja melhor.

Tchau, cantinho. Obrigada.

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